domingo, 6 de dezembro de 2015

A biografia do Dr. Tancredo, ou o jornalista que escreve torto, por linhas mais tortas ainda.

Recentemente, atravessei as caudalosas 836 páginas da biografia de Tancredo Neves, “Tancredo – A noite do destino”, do jornalista José Augusto Ribeiro, assessor de imprensa do presidente eleito, que o acompanhou durante todo período da campanha das Diretas, passando pela eleição no Colégio Eleitoral, a doença, as negociações para a posse do vice José Sarney e enfim a morte, em abril de 1985,ferida ainda em cicatrização na alma do país, trinta anos depois.

Ávido leitor de biografias que sou, devo dizer que, embora o livro tenha valor por descrever momentos cruciais da nossa história, um personagem como o “doutor Tancredo”, merecia um biógrafo melhor. E a situação só piora devido à proximidade que desfrutou com o biografado. Em vários momentos do livro, os fatos são deixados de lado para exaltação do personagem, como nas descrições do papel de Tancredo na crise da renúncia de Jânio e a adoção do parlamentarismo em 1961 desprezando outros personagens, e na ridícula tentativa de desqualificação do presidente americano Ronald Reagan durante a visita de Tancredo, presidente eleito, aos Estados Unidos em 1985, onde descreve o então presidente americano como um velho senil e idiota, que seria apenas um títere do secretário de Estado George Schultz, e não mergulha, em minha modesta opinião de leitor, com a devida atenção, na adolescência e o período na Faculdade de Direito em Belo Horizonte e também num episódio que poderia ser mais bem explorado, como o período em que junto com Pedro Aleixo, José Maria Alkmin e Milton Campos, formou o “curral de petiços” de Assis Chateaubriand na redação de “O Estado de Minas”, Além de tentar isentar o personagem da tomada de partido pró-golpe de 1964, posição de várias figuras importantes e insuspeitas (JK, Ulysses Guimarães). Às vezes por opção, mas na maioria das vezes por miopia ideológica (o autor me parece professar a fé no nacionalismo à esquerda dos anos 1950 e de lá não saiu). Ficou muito aquém do Lira Neto fez com a biografia de Getúlio Vargas, de uma sobriedade ímpar, onde ao terminá-lá você continua sem decifrar o personagem, o que pra mim significa que os fatos foram bem contados e Mário Magalhães com a de Carlos Marighela, onde embora eu não concorde com o tom heróico dado a vida do biografado, reconheço o mérito do alentado processo de pesquisa e o precioso pano de fundo histórico, inclusive descrevendo com sobriedade as trapalhadas de Luiz Carlos Prestes como secretário-geral do Partido Comunista brasileiro, que poderiam ser cenas de uma comédia pastelão.

Insisto que aí reside o pecado de José Augusto Ribeiro. Confiando em sua memória e tendo acesso a interlocutores selecionados, com um trabalho de pesquisa que eu diria insuficiente,faltando muitas vezes o contraditório, deixou muitas lacunas a serem preenchidas por quem se dispor a vir  escrever sobre um personagem fundamental  da história do Brasil do século XX. Situo sua obra no mesmo espaço ocupado pela biografia de Getúlio escrita por seu biógrafo “oficial” André Carrazoni: uma obra datada em seu conjunto, mas que abre caminho para que pesquisadores do futuro possam mergulhar mais a fundo na história.

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