domingo, 26 de abril de 2015

A Alma e o Deserto

“Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita”
“Na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri.”
(Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, 1942-1988)

Com seu espírito amalucado e contestador, Tim Maia viu como poucos além das aparências e desnudou a alma do país. Frasista inspirado e compositor significativo deixou um legado de compreensão a respeito de como se sentem e como pensam em privado os brasileiros. Ou melhor, não pensam. Nada que já tenha sido escrito a respeito, prepara o observador do nosso tempo para o que ele vê, ou não vê, nos dias atuais. Pra onde se olhe, há uma figura incompleta esperando uma definição do que ela seja ou virá a ser.
Somos um país indefinido. Não sabemos bem o que somos e nem o que queremos ser. Levamos a vida ao vento, ao sabor dos acontecimentos, esperando sempre que alguém resolva nossos problemas por nós, ou esperando que alguém sofra uma perda pra ocuparmos o lugar. Não uso o termo “perda” de forma específica, pois na terra do “jeitinho”, ela pode ser de qualquer natureza, contanto que alguém perca, e eu me locuplete.  Não existe em escala a pretensão de construir, e sim a de esperar a destruição, e se for algo que nos atinja, que alguém coloque algo no lugar, para podermos recomeçar o ciclo “vida mansa-inveja-destruição do semelhante” novamente.
Abominamos o confronto como forma de resolução de problemas e desconfiamos da livre iniciativa, olhando a pessoa que a tenha com um misto de pena e –novamente- inveja, admirando seu sucesso, mas esboçando um meio sorriso com sua derrocada.  Pra que tanto esforço? Eu vivo a vida que me permitem e estou aqui, vivo – mas não necessariamente realizado e feliz. A restrição ao confronto de idéias faz com que sejamos um povo dissimulado aos olhos de quem nos visita de fora, ou apenas incompreensível. Um povo que se utiliza de subterfúgios para obter o que quer, e que tem um prazer patológico em apontar defeitos alheios.
Um país com essa dinâmica não tem como dar certo, se esperamos que uma entidade etérea, que materializamos na figura do Estado, embora a maioria de nós não consiga enxergar dessa forma, resolva nossa vida. Falta compreensão e discernimento. O governo tem de me dar saúde e educação. Emprego? Tem de dar. Mas não sabemos como. Transporte também. Desde o coletivo e até o individual (!!). Sim, eu quero meu carro, que eu vou ter de financiar a juros de agiota, gastar com gasolina, manutenção, seguro, ficar preso em congestionamento e não ter onde estacionar - mas o governo, essa entidade indefinível, tem de me dar.  A iniciativa individual é morta entre nós, um cadáver insepulto, o bode na sala. “Eu faria as coisas por mim mesmo, se o governo me desse condições... mas como ele não me dá, vivo com o que ele me dá.” E o que ele dá? Bolsas em universidades particulares de ensino duvidoso, preservando com esse processo danoso as vagas disputadas no ensino público superior para o topo da pirâmide, aqueles que têm condições de estudar nos melhores colégios particulares, uma inversão de valores que eu considero criminosa. Médicos estrangeiros trabalhando em regime de semi-escravidão, que não conhecem febre maculosa e outras doenças sem paralelo no país de origem da maioria, tidos como milagreiros nos grotões porque são obrigados a trabalhar onde os médicos locais não trabalhariam por falta de condições. Cuidam de gente tão carente que dão graças a Deus até em erro médico. Distribuindo dinheiro para famílias se perpetuarem na miséria, sem uma alternativa que poderia ser, ora, ora, o ensino e difusão da livre iniciativa, tão longe da alma de nosso povo e execrada pela classe política em larga escala, pois, habituados a ela, as pessoas poderiam traçar paralelos perigosos entre certas atitudes dos governantes e a verdade simples, de como as coisas deveriam ser. Um povo que se deixa levar porque não tem a quem recorrer. Justiça? Conceito abstrato que na cabeça do cidadão comum se define por “prender e soltar os ricos, prender os pobres e demorar pra soltar, se soltar e demorar pra resolver qualquer coisa” qualquer demanda que a ela se apresente, desde pensão alimentícia até roubo de milhões. As iniciativas no sentido de entender a situação geral acabam sendo eclipsadas pelo deserto cultural a que somos expostos onde, mais importante que acompanhar um projeto de lei sobre saúde e educação, é a separação escandalosa do casal do momento. Momento este onde acaba estourando também o novo escândalo político, e nós, já anestesiados, apenas balançamos a cabeça e dizemos “mais um”, sem indignação, apenas conformismo.
Entre abril e junho de 2013, este estado de coisas sofreu um soluço, da qual eu particularmente imaginava que seria apenas isso mesmo, um soluço. A causa inicial era muito frágil na essência, um aumento em valores absolutos irrisório no preço dos transportes, mas que atraiu centenas de milhares nas ruas, num sentimento difuso de inconformismo e cansaço moral. Mas o fracasso era certo porque, mais uma vez, cobramos tudo de alguém, sem verificarmos qual a parte nos cabia. Foram cobrados hospitais e melhora na saúde, mas só vamos ao médico quase em risco de vida, podendo ser já numa fase em a doença é dolorosa, difícil e custosa. Cobramos melhor uso do dinheiro dos impostos apenas para que o smartphone do momento ou o carro desejado custem mais barato, não para que um uso racional do dinheiro público permita também a criação de condições econômicas melhores, gerando possibilidade de melhoria na educação, criação de empregos mais qualificados e mais bem remunerados. Nessas condições, atendidas as demandas mais visíveis, em decisões rasas e populistas, houve uma acomodação previsível do movimento.
E voltamos ao início. Pedimos e não nos mexemos mais. A classe política se acomodou nas mesmas condições anteriores, e maneja como títere a massa semipolitizada, que volta ao estado inicial de “deseja-inveja-alguém tem de me dar porque eu me mato de trabalhar”. É uma corrida de ratos, da qual não nos livraremos, porque mais que falta de educação ou cultura, é a alma de um povo que gosta de constar como alegre e receptivo, mas que no fundo é apenas acomodado e invejoso. Não tem como dar certo.
Lembrem-se do síndico: “Na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri.”



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