“Este país não pode
dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia
e pobre é de direita”
“Na vida a gente tem
que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri.”
(Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, 1942-1988)
(Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, 1942-1988)
Com seu espírito amalucado e contestador, Tim Maia viu como
poucos além das aparências e desnudou a alma do país. Frasista inspirado e
compositor significativo deixou um legado de compreensão a respeito de como se
sentem e como pensam em privado os brasileiros. Ou melhor, não pensam. Nada que
já tenha sido escrito a respeito, prepara o observador do nosso tempo para o
que ele vê, ou não vê, nos dias atuais. Pra onde se olhe, há uma figura
incompleta esperando uma definição do que ela seja ou virá a ser.
Somos um país indefinido. Não sabemos bem o que somos e nem
o que queremos ser. Levamos a vida ao vento, ao sabor dos acontecimentos,
esperando sempre que alguém resolva nossos problemas por nós, ou esperando que
alguém sofra uma perda pra ocuparmos o lugar. Não uso o termo “perda” de forma
específica, pois na terra do “jeitinho”, ela pode ser de qualquer natureza,
contanto que alguém perca, e eu me locuplete.
Não existe em escala a pretensão de construir, e sim a de esperar a
destruição, e se for algo que nos atinja, que alguém coloque algo no lugar,
para podermos recomeçar o ciclo “vida mansa-inveja-destruição do semelhante”
novamente.
Abominamos o confronto como forma de resolução de problemas
e desconfiamos da livre iniciativa, olhando a pessoa que a tenha com um misto
de pena e –novamente- inveja, admirando seu sucesso, mas esboçando um meio
sorriso com sua derrocada. Pra que tanto
esforço? Eu vivo a vida que me permitem e estou aqui, vivo – mas não
necessariamente realizado e feliz. A restrição ao confronto de idéias faz com
que sejamos um povo dissimulado aos olhos de quem nos visita de fora, ou apenas
incompreensível. Um povo que se utiliza de subterfúgios para obter o que quer,
e que tem um prazer patológico em apontar defeitos alheios.
Um país com essa dinâmica não tem
como dar certo, se esperamos que uma entidade etérea, que materializamos na
figura do Estado, embora a maioria de nós não consiga enxergar dessa forma,
resolva nossa vida. Falta compreensão e discernimento. O governo tem de me dar
saúde e educação. Emprego? Tem de dar. Mas não sabemos como. Transporte também.
Desde o coletivo e até o individual (!!). Sim, eu quero meu carro, que eu vou
ter de financiar a juros de agiota, gastar com gasolina, manutenção, seguro,
ficar preso em congestionamento e não ter onde estacionar - mas o governo, essa
entidade indefinível, tem de me dar. A
iniciativa individual é morta entre nós, um cadáver insepulto, o bode na sala.
“Eu faria as coisas por mim mesmo, se o governo me desse condições... mas como
ele não me dá, vivo com o que ele me dá.” E o que ele dá? Bolsas em
universidades particulares de ensino duvidoso, preservando com esse processo
danoso as vagas disputadas no ensino público superior para o topo da pirâmide, aqueles
que têm condições de estudar nos melhores colégios particulares, uma inversão
de valores que eu considero criminosa. Médicos estrangeiros trabalhando em
regime de semi-escravidão, que não conhecem febre maculosa e outras doenças sem
paralelo no país de origem da maioria, tidos como milagreiros nos grotões
porque são obrigados a trabalhar onde os médicos locais não trabalhariam por
falta de condições. Cuidam de gente tão carente que dão graças a Deus até em
erro médico. Distribuindo dinheiro para famílias se perpetuarem na miséria, sem
uma alternativa que poderia ser, ora, ora, o ensino e difusão da livre
iniciativa, tão longe da alma de nosso povo e execrada pela classe política em
larga escala, pois, habituados a ela, as pessoas poderiam traçar paralelos
perigosos entre certas atitudes dos governantes e a verdade simples, de como as
coisas deveriam ser. Um povo que se deixa levar porque não tem a quem recorrer.
Justiça? Conceito abstrato que na cabeça do cidadão comum se define por “prender
e soltar os ricos, prender os pobres e demorar pra soltar, se soltar e demorar
pra resolver qualquer coisa” qualquer demanda que a ela se apresente, desde
pensão alimentícia até roubo de milhões. As iniciativas no sentido de entender
a situação geral acabam sendo eclipsadas pelo deserto cultural a que somos
expostos onde, mais importante que acompanhar um projeto de lei sobre saúde e
educação, é a separação escandalosa do casal do momento. Momento este onde acaba
estourando também o novo escândalo político, e nós, já anestesiados, apenas
balançamos a cabeça e dizemos “mais um”, sem indignação, apenas conformismo.
Entre abril e junho de 2013, este estado de coisas sofreu um
soluço, da qual eu particularmente imaginava que seria apenas isso mesmo, um
soluço. A causa inicial era muito frágil na essência, um aumento em valores
absolutos irrisório no preço dos transportes, mas que atraiu centenas de
milhares nas ruas, num sentimento difuso de inconformismo e cansaço moral. Mas
o fracasso era certo porque, mais uma vez, cobramos tudo de alguém, sem
verificarmos qual a parte nos cabia. Foram cobrados hospitais e melhora na
saúde, mas só vamos ao médico quase em risco de vida, podendo ser já numa fase
em a doença é dolorosa, difícil e custosa. Cobramos melhor uso do dinheiro dos
impostos apenas para que o smartphone do momento ou o carro desejado custem
mais barato, não para que um uso racional do dinheiro público permita também a
criação de condições econômicas melhores, gerando possibilidade de melhoria na educação,
criação de empregos mais qualificados e mais bem remunerados. Nessas condições,
atendidas as demandas mais visíveis, em decisões rasas e populistas, houve uma
acomodação previsível do movimento.
E voltamos ao início. Pedimos e não nos mexemos mais. A
classe política se acomodou nas mesmas condições anteriores, e maneja como
títere a massa semipolitizada, que volta ao estado inicial de
“deseja-inveja-alguém tem de me dar porque eu me mato de trabalhar”. É uma
corrida de ratos, da qual não nos livraremos, porque mais que falta de educação
ou cultura, é a alma de um povo que gosta de constar como alegre e receptivo,
mas que no fundo é apenas acomodado e invejoso. Não tem como dar certo.
Lembrem-se do síndico:
“Na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário